terça-feira, 18 de abril de 2017

Conheça as facetas de cabo-verdiana, cantora e mulher



Nasceu em 1975, em Lisboa, mas o sangue crioulo corre-lhe nas veias. Filha de pais cabo-verdianos, Lura só começou a falar crioulo por volta dos 14 anos. Passados sete anos, editou o seu primeiro álbum “Nha Vida”, cujo título corresponde à canção que a lançou no mundo da música.
Quase 15 anos depois, lança o “Best of Lura”. Em entrevista, Lura fala sobre a sua carreira e não só.

Lura, a cabo-verdiana
Porque que optou por cantar em crioulo quando começou a sua carreira musical? Podia ter optado por cantar em português, não é?
Identifiquei-me mais. Achei que era obrigatório fazer algo que me fosse na alma. Foi numa fase em que me dei conta de que nós estamos num país, onde nasci, mas apercebemo-nos da nossa cor da pele, por ex. E apeteceu-me profundamente fazer alguma coisa que fosse de encontro a essa minha origem e história, que me reportasse e me ligasse a uma raíz.

Mas sempre falou crioulo em casa? Sempre teve a cultura africana presente?
C
omecei por falar português, porque a minha mãe queria que nós falássemos português para não termos problemas na escola. Comecei a falar crioulo para ai com 14/15 anos. Mas sempre numa comunidade cabo-verdiana, sempre a ouvir música cabo-verdiana, entre outras, porque na rádio e na televisão somos bombardeados com música de toda a parte. A minha cultura foi sempre muito cabo-verdiana, mesmo em Portugal.

Considera que o facto de ter nascido em Portugal favoreceu, de alguma forma, o lançamento e crescimento da sua carreira?
A saudade leva-nos de facto a querer reivindicar a nossa origem. Os meus pais sempre me falaram com uma paixão tão grande de Cabo Verde, o que criou em mim uma fantasia e vontade enorme de vir conhecer a terra, o que fiz com 21 anos. Apaixonei-me por esta cultura, por esta terra que é uma bomba de cultura. Basta começarmos a procurar que descobrimos aqui coisas fabulosas para retratar e poder desenvolver histórias longas e bonitas. Então eu disse que ía usar a minha voz para contribuir para a divulgação da cultura desta terra, e é o que eu estou a tentar fazer neste momento da minha vida.

Alguma vez teve receio de ser rejeitada pelo público cabo-verdiano ?
Muito suavemente no início, no primeiro tema - o "Nha Vida", porque eu tinha impressão de que não cantava crioulo muito bem, porque eu não falava crioulo muito bem, o meu crioulo estava muito coxo. Mas foi fantástico quando comecei a receber elogios em relação ao tema. Foi um sucesso inesperado.
E senti que ganhei, "uff, passei esta fase". Aliás, a minha música chegou a Cabo Verde primeiro do que eu. Quando cá estive pela primeira vez, as pessoas via-me na rua e diziam:"Olha a Lura, do "Nha Vida". Fui confrontada com o facto de ser figura pública, e foi tudo ao mesmo tempo. Mas foi muito bom.Em quase 15 anos de carreira, a artista já publicou cinco discos e um DVD. Começou a carreira em 1996. É conhecida pela sua energia em palco. A Lura canta, a Lura dança, a Lura toca, a Lura apaixona o público. Revela que não tem rituais especiais antes de entrar em palco, não é supersticiosa.

Como reagiu quando soube que o Sunday Times elegeu o "Eclipse" para o Top100 dos discos de 2009?
Foi uma distinção importante e valiosa. Não estava nada à espera. Não sou do género de estar a correr atrás de concursos. Acaba por nos dar mais motivação, mas é claro que nos dá também outra responsabilidade e estou aqui para estar à altura e para continuar a trabalhar e a evoluir.
Um palco onde já foi muito feliz?
O espectáculo da Gamboa, no ano passado, gostei imenso... A primeira vez que actuei no Baia das Gatas, naquele parque enorme, achei: "Ui, Meu Deus!"... a primeira vez que actuei no Parque 5 de Julho, que foi o meu primeiro grande espectáculo em Cabo Verde. Lembro-me agora do espectáculo em Boston, na Universidade de Berkley. Lá foi a loucura. Quase que me faltava dizer ao público: "Esperem! Eu sou apenas uma." Felizmente tenho tido vários concertos assim, com esta atmosfera boa.

Tem algum ritual antes de entrar em palco, superstições ou o que dizem ser manias de artista?
Eu entro dentro de mim própria, concentro-me, tento localizar-me, certificou-me que tenho a voz aquecida, que a maquilhagem está no ponto, o vestidinho engomado...Mas não tenho muito esta coisa de rezar, por exemplo. Falo muito comigo própria com a outra Lura (risos).

Alguma vez já esteve num sítio público sem querer ser reconhecida?
Sim, já me aconteceu. Há fases em que nós passamos muito tempo em trabalho e depois, às tantas, queremos ser ilustres desconhecidos. Já aconteceu não me apetecer nada tirar fotos, mas depois chega uma pessoa muito simpática e lá tiramos uma fotografia. São questões relacionadas com o ser humano, porque eu antes de ser cantora e de ter um vida pública sou um ser humano. Mas agora já estou preparada, porque isto é tudo um processo. Já estou a gerir isto de uma maneira diferente.

Aonde vai buscar a energia que tem em palco?
É àquela criança que sempre tive dentro de mim. Eu sempre fui muito tímida quando era pequena, mas não gostava disso. Era uma luta constante dentro de mim. Mas em palco posso fazer todas essas coisas que não fazia em pequenina por ter vergonha. Gosto, por outro lado, de apelar à alegria natural da mulher, em geral, e da mulher cabo-verdiana que é activa, sorridente, alegre e que gosta de cantar...É isto tudo junto.Se não fosse cantora estaria casada e com filhos. A música abriu à Lura novos horizontes mas não lhe permitiu seguir uma carreira no desporto. Já foi uma maria-rapaz mas hoje tem mais cuidado com a aparência. Diz que não gosta de muitos acessórios, mas no trabalho anterior ao best of, juntou “todos os colares que tinha lá em casa” para a sessão fotográfica.

Enquanto figura pública que importância dá à imagem?
Isto é uma longa história! Tem vindo a ser uma adaptação. Ainda por cima, eu venho do desporto. Eu era um bocado maria-rapaz. Quando comecei a sair à noite eram ténis, calça de ganga e t-shirt, e de preferência, envelhecida, achava piroso a t-shirt com vinco na manga. E depois comecei a olhar-me ao espelho: "Oh Lurita, davas um jeitinho à imagem..."E depois comecei a ser abordada na rua. E apercebi-me que convinha dar um jeito ao cabelo, à cara, às sobrancelhas...estes cuidados que qualquer mulher tem que ter para ser jovem, bonita, atraente para ela própria, para o marido e para o Mundo. E então com o tempo tentei arranjar-me, mas sempre na base do simples, não me identifico com muita coisa, mas se bem que no "Eclipse" juntei os colares todos que tinha lá em casa... (risos). Tem vindo a ser um trabalho, tenho de tomar cuidado com o que fica bem. As pessoas que me encontram na rua esperam isso de mim e eu vou sentir-me mais bonita e mais segura. E qual é a mulher que não gosta de se sentir bonita?

Quem é a Lura mulher?
Se não fosse cantora se calhar já tinha uma família com três filhos, um maridinho, uma aliança dourada enorme no dedo, com um trabalhado original... (risos)...não digo que estivesse mais gorda, acho que o cuidado com a aparência é sempre importante. Acho que estaria bem ligada à família, porque para além de ser bailarina o meu segundo sonho era ser dona de casa, fazer bolos, estar em casa com os filhos e marido...Que cafona! (risos). Não sei se é a imagem da minha mãe, porque fui criada com ela...É a mulher que há em mim. A profissão seria ligada ao desporto, porque é que eu estava a fazer quando fui interrompida pela música...










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